quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O início é Silêncio...

Outro dia uma cliente me disse, na sessão, que estava precisando muito de silêncio, como a gente precisa de água quando está com sede.
Sinto isso também, que tantas  palavras e ações são despejadas nesse mar de sons e fazeres e geram pouca coisa construtiva, genuína.
O mundo está ensurdecido de palavras inúteis, li uma vez.
E a Mãe diz que a ação enlouquecida dos tempos modernos é como uma água numa tigela, sendo chacoalhada vigorosamente: quando acaba o movimento ensandecido, ela fica paradinha na tigela, não se transformou, não aconteceu nada - fora uma molhadinha no chão e uma dor na mão , talvez um garfo torto ...Tudo continuou como dantes no castelo de Abrantes...
Aí, botamos mais água na tigela e lá vamos nós, produzir mais desse cansaço .
E, no fim, acabamos constatando que foi bom, porque ficamos tão lamentavelmente cansados, com uma sensação de dever cumprido. 
Depende: pode ter sido mesmo e pode ter sido apenas um movimento estéril, pra mostrar que se está vivo.
Talvez por isso - fora a preguiça, como diria minha conterrânea Paloma Amado - que, sempre que me dava ímpetos de vir escrever, uma contravoz sussurrava sorrateira: porque? pra que mais palavras?
Mas agora pedi licença a mim mesma e vim. Porque eu gosto. Já disse que escrever é uma maneira de ver os meus pensamentos, sentimentos, sensações se organizarem, tomarem banho, saírem lavados, cheirosinhos...
'As vezes até ensaiam uma ciranda...Ou não.
Na verdade, qualquer coisa que  nos ajude a tomar consciência é boa. Pode ser a tomada de consciência de algo " ruim", de um sentimento mesquinho, de um pensamento maldoso, um medo, um encantamento, uma agonia, um desrespeito,  uma má vontade solene...  Nesse momento, temos opção, temos escolha, podemos mudar de curso.
Partindo de "onde estou agora", nesse momento, nesse dia da minha vida,nessa vida.
Ou seja, só posso mudar algo a partir de onde estou agora, a partir do meu lugar nesse momento único que vivo. Não é ontem, não é amanhã...é agora.
Ok, ok, vamos dar uma meia volta volver, virar o leme do barco, afinar o instrumento, observar as nuvens, o céu, o mar, verificar  as condições da embarcação, fazer os devidos reparos...Se oriente, rapaz, pela constelação do Cruzeiro do Sul, cantou Gil. Quatrocentos milhões de vezes!
'As vezes o momento pede contemplação, do mar, do firmamento...( Porque será que sempre me vem a imagem de Pi no seu barco?E do final de Tão Longe Tão Perto, quando Win Wenders coloca na boca da atriz a frase" estamos a caminho" e o barco vai zarpando...)
Para que o momento seguinte surja cheio de força, a verdadeira, aquela de dentro!
Sempre a partir de onde estou , de como eu estou, de como me sinto, agora, now, aqui.
Sem urgências, tensões de " preciso mudar".Apenas a partir do próprio reconhecimento. 
Reconhecer já é a coisa, reconhecer o momento, verificar honestamente onde consigo ampliar limites e onde os limites momentâneos precisam ser vividos, até por uma questão educativa. E sempre há o que reconhecer e o que educar em nós.
Aqui e agora, rapazes, dizia Huxley na Ilha, através dos pássaros mainás.
E isso me lembra um episódio,acontecido há anos atrás; estávamos promovendo uma palestra de Rolf Gelewski lá em casa.O evento corria bem. Aí uma senhora resolveu fazer uma pergunta retórica, daquelas do estilo de chacoalhar água na vasilha :  - Professor, o que podemos fazer por esse mundo cão, como podemos ajudar o jovem nesse mundo cão? ( Quase 30 anos depois, esse mundo cão ainda soa nos meus ouvidos...)
Ele vira-se pra ela, em absoluta calma e diz: - A senhora é ministro da Educação? Tem algum cargo importante na Unesco?Não? Então, OK, faça seu trabalho, vá lá...
Tantos anos depois, essa resposta continua valendo.
Faça seu trabalho. 
Que trabalho?
Seu trabalho, aquele que você veio fazer aqui na vida: se conhecer, amadurecer, crescer como indivíduo, virar adulto.
Como se faz?
Ora, nas coisas que você faz, na sua vida de médico, músico, terapeuta, engenheiro, mecânico, com as pessoas do seu convívio...A toda hora, a todo momento, de dentro pra fora, de fora pra dentro...
Porque não podemos atingir o coletivo sem passar pelas dores e delicias do indivíduo, é uma ilusão.
Então, humildemente, em vez de tantas peroras e águas derramadas e mãos cansadas e gritos ensurdecidos, fazemos nosso trabalho.
Assim vamos saindo devagarinho dessa grande mentira - como diz Satprem, do Grande Artifício - e construindo as pontes da nova vida, pedindo ajuda do Universo pra pegar a nossa parte do peso desse mundão de meu Deus, desse mundão dolorido e exausto de bater nas portas erradas, desse mundão sofrido, esfacelado, terminado...
E, de vez em quando, vemos coisas que valem a pena, como a dona Ângela abrir as portas de casa e acolher refugiados. Novas escolhas, boas escolhas para doadores e receptores, limpando velhos karmas.
Se ela tivesse feito a tal pergunta a Rolf, ele, provavelmente, sugeriria justamente uma ação dessas.
A diferença entre ela e a outra senhora é que  uma delas é presidente de uma República.
Nós não somos. Então não adianta muito bradar e jogar água fora da vasilha.
Adianta fazer cada qual o seu trabalho. Em silêncio, talvez...
Mas nossa energia está compartilhada no mundo, entre todos os que preferem amar, unir, ser solidário, educar.
De verdade.
Porque a verdade é um ritmo, não é, Satprem?

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