quarta-feira, 23 de setembro de 2015

De gatos, métodos, pedras e verdades...


Tenho receio de métodos absolutos. No momento em que um método se torna uma verdade absoluta, há uma distorção. Utilizamos os métodos como ferramentas necessárias, com certeza, como vias de acesso.
Na vida, na profissão. Eles são os dedos que apontam, que pegam, que podem tornar a coisa viável, tangível, possível. Mas não podem ser " a coisa", eles são uma via de acesso para " a coisa". Porque "a coisa" é infinita, imensa, sempre em movimento dinâmico,a essência do universo, a essência de cada um, o imenso e o minúsculo, o verdadeiro...
Combinamos, então, que o método é via de acesso.
Isso parece óbvio, mas, na prática, não é bem assim.
Frequentemente vemos que as pessoas ( nós) que os utilizam começam a querer fazer dele (s) " a coisa", aí o nosso ego pega o instrumento de acesso e quer torná-lo a própria verdade, a única verdade.E então já distorcemos, já transformamos o belo e puro método-via-de-acesso numa igreja, com preceitos fechados,  "essa é a única maneira de acessarmos a verdade"...
De cabo a rabo, disso a aquilo, das pequenas confusões do trânsito na nossa rua a milhões de seres refugiados, sem casa na grande casa do planeta Terra, parece que existe essa tendência dominante e arrogante no fundo: apropriação de idéias e situações que vivem em trânsito numa verdade definitiva.
Somos  dominados pelo que fazemos.Ou pelo que não fazemos.
O que fazemos é o meio, o método que nos encaminha ao que somos.
A gente vai sacando quem é através do fazer.
Sri Aurobindo diz que o mundo nos oferece experiências e, através da vivência das experiências, vamos nos tornando quem somos.
Se ficarmos no engrandecimento do que fazemos, por mais maravilhoso que seja, não completaremos o exercício da vida, o ser.
Por isso, acho que o engrandecimento do método acaba se tornando um distanciamento da experiência de ser mais pura, mais essencial.
Um pescador sentado fitando longamente o mar, absorvendo - o na sua alma, entregue de corpo e alma 'a essa contemplação, por amor, está tão perto de si mesmo...
Não acredito que ele precise comentar numa roda de pescadores esse momento dele, como engrandecimento da situação vivida.
Se for também um filósofo, ( e todo pescador deve ser um pouco também, a longa espera do mar, a intimidade com Mãe Yemanjá, o diálogo incessante com essa coisa imensa...) poderá refletir sobre esse momento com alguém mais, e só...
Mas se eu disser a alguém, sem intimidade com o mar e com sua própria alma: " vá lá e fique olhando por meia hora, respirando, entrando em contato e isso vai te liberar coisas x e y e mais uns etc..."..., o método , provavelmente, não irá funcionar.
Pode até, com certeza, surtir bons efeitos, positivos, pulmonares, mas a danada da mente interfere, "criando" maravilhas que podem não ser de verdade.Maravilhas mentais nunca são muito confiáveis!
Também pode até ser que, de repente, o mar o tome por assalto e ele se veja em comunhão com ele, um só com ele.
Aí o método foi útil, fez o começo da coisa, apenas o começo, porque a ampliação foi resultado da entrega da pessoa, da grande magia do universo que aconteceu naquele momento, sabe-se lá Deus porque, pela Graça...
Um chamado sincero aqui, uma pureza de alma, um coração em chamas,  e um retorno lindo de Lá...
Ah, sim!!
Mas: amigos, colegas terapeutas etc...- não foi por causa do método.
O método foi, apenas, um assessor.
Sem engrandecimentos, per favore! Sem métodos transformados em igrejas, por melhores que sejam!

Minhas 2 inspirações pra sentar aqui agora e escrever, aproveitando  a falta de 2 clientes:

 - Relendo o genial Jung, Memórias, Sonhos, Reflexões .
 - O vídeo dos 2 gatos e o caramujo, que partilhei no Face.

Meus agradecimentos sem fim aos maravilhosos queridos faróis  Sri Aurobindo, 'a Mãe, Guia do Pathwork, Jung, Eckahrt, Pearls, Khrishnamurti,  Prem Baba ( récem encontrado por mim, através da minha filha) e tantos, e tantos...

E uma historinha final, recontada por Rolf, o Gelewski ( que foi meu amado- mestre -assessor a Sri Aurobindo e 'a Mãe) recontada agora livremente  por mim:

" Um antigo rei de algum país antigo e mítico , ao subir numa alta montanha, perdeu a sua pedra preciosa.
Descendo ao seu palácio, reuniu os 3 filhos e lhes deu a incumbência de procurá-la.
O primeiro foi Clareza-Visão, que procurou, procurou e não achou.
O seguinte foi Força-Pensamento, que também não encontrou.
O terceiro foi Sem -Intenção e ele encontrou a pedra.
Descendo, entregou ao rei, seu pai, que fez o seguinte comentário:
- Interessante que, justamente Sem-Intenção achou a pedra..."




quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O início é Silêncio...

Outro dia uma cliente me disse, na sessão, que estava precisando muito de silêncio, como a gente precisa de água quando está com sede.
Sinto isso também, que tantas  palavras e ações são despejadas nesse mar de sons e fazeres e geram pouca coisa construtiva, genuína.
O mundo está ensurdecido de palavras inúteis, li uma vez.
E a Mãe diz que a ação enlouquecida dos tempos modernos é como uma água numa tigela, sendo chacoalhada vigorosamente: quando acaba o movimento ensandecido, ela fica paradinha na tigela, não se transformou, não aconteceu nada - fora uma molhadinha no chão e uma dor na mão , talvez um garfo torto ...Tudo continuou como dantes no castelo de Abrantes...
Aí, botamos mais água na tigela e lá vamos nós, produzir mais desse cansaço .
E, no fim, acabamos constatando que foi bom, porque ficamos tão lamentavelmente cansados, com uma sensação de dever cumprido. 
Depende: pode ter sido mesmo e pode ter sido apenas um movimento estéril, pra mostrar que se está vivo.
Talvez por isso - fora a preguiça, como diria minha conterrânea Paloma Amado - que, sempre que me dava ímpetos de vir escrever, uma contravoz sussurrava sorrateira: porque? pra que mais palavras?
Mas agora pedi licença a mim mesma e vim. Porque eu gosto. Já disse que escrever é uma maneira de ver os meus pensamentos, sentimentos, sensações se organizarem, tomarem banho, saírem lavados, cheirosinhos...
'As vezes até ensaiam uma ciranda...Ou não.
Na verdade, qualquer coisa que  nos ajude a tomar consciência é boa. Pode ser a tomada de consciência de algo " ruim", de um sentimento mesquinho, de um pensamento maldoso, um medo, um encantamento, uma agonia, um desrespeito,  uma má vontade solene...  Nesse momento, temos opção, temos escolha, podemos mudar de curso.
Partindo de "onde estou agora", nesse momento, nesse dia da minha vida,nessa vida.
Ou seja, só posso mudar algo a partir de onde estou agora, a partir do meu lugar nesse momento único que vivo. Não é ontem, não é amanhã...é agora.
Ok, ok, vamos dar uma meia volta volver, virar o leme do barco, afinar o instrumento, observar as nuvens, o céu, o mar, verificar  as condições da embarcação, fazer os devidos reparos...Se oriente, rapaz, pela constelação do Cruzeiro do Sul, cantou Gil. Quatrocentos milhões de vezes!
'As vezes o momento pede contemplação, do mar, do firmamento...( Porque será que sempre me vem a imagem de Pi no seu barco?E do final de Tão Longe Tão Perto, quando Win Wenders coloca na boca da atriz a frase" estamos a caminho" e o barco vai zarpando...)
Para que o momento seguinte surja cheio de força, a verdadeira, aquela de dentro!
Sempre a partir de onde estou , de como eu estou, de como me sinto, agora, now, aqui.
Sem urgências, tensões de " preciso mudar".Apenas a partir do próprio reconhecimento. 
Reconhecer já é a coisa, reconhecer o momento, verificar honestamente onde consigo ampliar limites e onde os limites momentâneos precisam ser vividos, até por uma questão educativa. E sempre há o que reconhecer e o que educar em nós.
Aqui e agora, rapazes, dizia Huxley na Ilha, através dos pássaros mainás.
E isso me lembra um episódio,acontecido há anos atrás; estávamos promovendo uma palestra de Rolf Gelewski lá em casa.O evento corria bem. Aí uma senhora resolveu fazer uma pergunta retórica, daquelas do estilo de chacoalhar água na vasilha :  - Professor, o que podemos fazer por esse mundo cão, como podemos ajudar o jovem nesse mundo cão? ( Quase 30 anos depois, esse mundo cão ainda soa nos meus ouvidos...)
Ele vira-se pra ela, em absoluta calma e diz: - A senhora é ministro da Educação? Tem algum cargo importante na Unesco?Não? Então, OK, faça seu trabalho, vá lá...
Tantos anos depois, essa resposta continua valendo.
Faça seu trabalho. 
Que trabalho?
Seu trabalho, aquele que você veio fazer aqui na vida: se conhecer, amadurecer, crescer como indivíduo, virar adulto.
Como se faz?
Ora, nas coisas que você faz, na sua vida de médico, músico, terapeuta, engenheiro, mecânico, com as pessoas do seu convívio...A toda hora, a todo momento, de dentro pra fora, de fora pra dentro...
Porque não podemos atingir o coletivo sem passar pelas dores e delicias do indivíduo, é uma ilusão.
Então, humildemente, em vez de tantas peroras e águas derramadas e mãos cansadas e gritos ensurdecidos, fazemos nosso trabalho.
Assim vamos saindo devagarinho dessa grande mentira - como diz Satprem, do Grande Artifício - e construindo as pontes da nova vida, pedindo ajuda do Universo pra pegar a nossa parte do peso desse mundão de meu Deus, desse mundão dolorido e exausto de bater nas portas erradas, desse mundão sofrido, esfacelado, terminado...
E, de vez em quando, vemos coisas que valem a pena, como a dona Ângela abrir as portas de casa e acolher refugiados. Novas escolhas, boas escolhas para doadores e receptores, limpando velhos karmas.
Se ela tivesse feito a tal pergunta a Rolf, ele, provavelmente, sugeriria justamente uma ação dessas.
A diferença entre ela e a outra senhora é que  uma delas é presidente de uma República.
Nós não somos. Então não adianta muito bradar e jogar água fora da vasilha.
Adianta fazer cada qual o seu trabalho. Em silêncio, talvez...
Mas nossa energia está compartilhada no mundo, entre todos os que preferem amar, unir, ser solidário, educar.
De verdade.
Porque a verdade é um ritmo, não é, Satprem?