terça-feira, 19 de setembro de 2023

Revisitando Alice

Na verdade, não revi Alice agora. Mas , ao acordar, me veio uma das cenas finais do filme, onde a Rainha Branca pede perdão à Rainha Vermelha, sua irmã. E voltamos a uma das cenas iniciais do filme , onde as duas irmãs mocinhas estão no quarto e a mãe vem perguntar quem comeu a torta . A comilona foi, na verdade, a irmã mais nova, mas ela não admitiu a verdade, lançando a culpa na irmã mais velha, que sai correndo, desatinada e se sentindo tremendamente injustiçada. Ela cai e bate a cabeça e sua cabeça começa a inchar desmedidamente.E ela se torna "má". Todo o desenrolar da história se baseia nisso, nessa mentira que a "boazinha" não conseguiu admitir. Então temos os 2 lados: um , que mentiu e segurou a mentira e o outro que passa a vida se vingando da situação de injustiça a que foi submetida. No final, a Rainha Branca pede perdão à irmã, que diz : - Passei a vida esperando ouvir isso! E parece que vai aceitar, mas o sentimento de vingança é mais forte e vence: ela escolhe a vingança. E o final do filme já conhecemos, ela fica sozinha e destruída, enquanto a Rainha Branca assume o reino. E tem Alice, a figura central da história, que nos oferece reflexões maravilhosas sobre a vida, sobre assumir quem se é, sobre se amar, sobre se conhecer. Quantas peripécias, quantos perigos, quantas incríveis aventuras ela vive desde que cai naquele "poço da verdade". O que nos remete ao processo de autoconhecimento e autodescoberta que precisamos passar pra começar a viver de maneira mais verdadeira. Viver não é fácil! Penso que é, ao mesmo tempo, maravilhoso e muito dificil. Quer dizer, quando queremos uma vida mais verdadeira. Como dizia Rolf, quando nosso objetivo não é a geladeira nova , um carro do ano platinado e lábios´preenchidos e seios siliconados ( os lábios e os seios são um adendo meu...). A vida verdadeira esconde-se atrás de cada sombra desvelada e desvendada, atrás de cada moita na floresta escura, atrás de cada inferno vivido, compreendido e transformado.Porque a vida é transformação constante. E porque não a possuímos, vida, em toda a sua pujante beleza, nos contentando com migalhas que ficam contentinhas em possuir a "geladeira nova"?( essa é uma pergunta!) Porque dá muito trabalho, exige que despertemos desse bocejo interminável, exige que vamos investigando todos os pequenos temas -(com os grandes temas até caminhamos razoavelmente) - mas os pequenos temas, testes do dia dia, gotículas diárias do bem e do mal - são esses que nos " pegam". Quando incarnamos, trazemos um pedaço da sombra do mundo para transformar. Isso é muito bem explicado pela Patricia Gebrim no seu livro " Gente que mora dentro da gente". Essa é nossa tarefa, transformar essa sombra, trazer a luz que somos, para dentro desse lugar escuro, cheio de bicho-papão, lama e falsidades. A coisa é não nos identificarmos com a sombra que trazemos, senão não temos condição de trabalhar nela, mas, sim, identificá-la. Ao identificá-la, nos desidentificamos. E aí, temos acesso ao trabalho. Nem fazer de conta que ela não existe nem se misturar nela, se casar com ela. " O homem está enamorado da sua prisão", diz Sri Aurobindo. Rumi diz: Porque você permanece na prisão quando a porta está completamente aberta? Tão mais fácil identificar o rabo do outro, criticá-lo, até mesmo querer ajudá-lo, do que encarar a si mesmo,identificar os pontinhos fracos e obscuros da personalidade, perceber até quanto o nosso pequeno ego está atuando em nós... " O mundo se prepara para uma grande mudança", diz a Mãe. E que mudança, amigos, mudança de pato pra ganso, mudança de paradigma, saindo de uma era material para uma era espiritual, sob enorme pressão. Estamos na transição, temos muito trabalho a fazer, incansavelmente. E onde entra a nossa Rainha Vermelha nisso? Ah, sim, a mágoa carregada durante tanto tempo é um dos grandes entraves à transformação. Pode-se ficar uma vida inteira - ou vidas inteiras - atrelado num grão de mágoa, de sentimento de injustiça ( eu não merecia isso...), de visão míope da realidade... Aí, nos carregamos de coragem, como carregamos nosso celular ao fim do dia, pedimos ajuda aos nossos guias e mestres - porque, sozinhos, não conseguimos fazer a coisa, alargamos nosso peito com amor e confiança...e seguimos trabalhando nesse lilah divino. Música e Autoconhecimento! Que música? Hoje sugiro Schumann, seu Papillons op 2, tocado por um pianista bem poético... ,

terça-feira, 28 de março de 2023

E aí, galera? ( reflexões depois de ler a triste notícia do menino de 13 anos...)

Somos bombardeados desde que acordamos até a hora de dormir, com notícias as mais diferentes possíveis.A maioria delas, assustadoramente terríveis, e, pelos entremeios, algumas alvissareiras. Essa é a cara do nosso mundo nesse momento, ou melhor dizendo,a caratonha... Se só virmos a cara, nos assustamos, vamos pra debaixo da cama, ou ensaiamos sorrisos no facebook, tipo "tudo ótimo, galera, olha meu seiosiliconado novo, estou amando loucamente a namoradinha de um amigo meu...ou..."). Mas aí, os mais corajosos, que querem ver além dos sorrisos fakianos ou das caratonhas assustadoras, levantam devagarinho o véu cinzento e multicolorido de Maya e se aventuram a olhar atrás. E o que vêem? - Formas de todos os tipos, emaranhados viscerais enrodilhados, medos cinzentos, tramas urdidas há milênios, sentem sono,sentem um cansaço infinito, sentem medo, sentem cheiros nauseabundos saindo das formas onde eles,os corajosos, também estão enredados.E tambêm vêem aquela árvore que ontem estava mirrada começando a rebrotar, a borboleta esvoaçando alegremente( e que parto difícil ela teve desde quando era lagarta...),os olhos da gatinha,tão amorosos e luminosos,um sentimento de amor permeando toda a dor,um cheiro doce no ar,uma abertura de algo novo na atmosfera, um riso que desce dos céus,um som musical... Toda a vida construída em todas as suas formas trágicas, falsamente, belamente, tudo vai se esvaindo aos poucos numa fumacinha com formato de tijolo, que pode doer na cabeça como uma tijolada mesmo. Cabeça dura, tijolo duro. Aí vamos nós, em mais um dia, desvestindo, revestindo, construindo nesse emaranhado, nesse milkshake às vezes gostoso, às vezes amargo e azedo pra caramba , e a medicina chinesa não diz que precisamos de todos os sabores? Doce, amargo, azedo, salgado, picante... Fico aqui matutando e lembrando dessa criança de 13 anos, com esse corpo de dor tão violento, como diria o sábio Eckhart, aspirando para que não tenha matado a própria alma! E qual a música de hoje? Um mix também: Bach, A Paixão segundo São Matheus; Bach - Marcelo, BWV 974, Adagio, tocado pelo Nelson; Schumann, Cenas Infantis; Matheus Aleluia, Amor Cinza; Gil, Se eu quiser falar com Deus; Japanese Folk Melodies , com Rampal na flauta; e tantas mais... Pode também tocar e dançar um tango argentino, de preferência depois de ter revisto pela enésima vez Al Pacino dançando "aquele" tango no Perfume de Mulher...