domingo, 3 de outubro de 2010

Música ( I )

Tenho estado muito ligada no sentido da música para mim. Sempre estive, mas cada vez estou mais aberta para que ela entre em mim e escave meus terrenos internos, às vezes cheios de entulhos, às vezes cheios do pó e sangue  dos caminhos, às vezes tão  compactados pelo pequeno e obstrutivo  ego que sobra pouco espaço para viver momentos reais. Mesmo assim, ela vai se infiltrando amorosamente nos interstícios e, uma vez lá dentro, vai alargando os espaços...
Conto uma experiência recente: um dia desses, estava "naqueles dias" de alma cinzenta, meio desanimada, meio vazia (não o vazio criativo...) e, depois de terminar umas atividades, sentei-me na mesinha do meu quarto, meu cantinho de leitura e escrituras, para arrumar  e  ler um pouco. Era tardinha, acendi a luz da mesinha e, na arrumação, peguei umas fitas-cassete que estavam por ali, daquelas que, segundo meus filhos, já deviam estar morando no museu. Confesso que gosto muito delas, foram tantas que enchiam gavetas e gavetas durante mais de 20 anos, fitas que usava para  aulas, oficinas de música, gravações para trabalhos, montagens sonoras, experiências variadas nos tempos das "experimentações koellreuttianas e uaktianas", no aparelho do carro, no gravadorzinho meio fubeca mas tão companheiro que ainda hoje vive comigo na minha cozinha! E como fazia um tempinho que não as ouvia - os CDs tomaram conta dos espaços musicais de todos nós - fui conferir. Meu aparelho de som, felizmente, conta com um sistema ainda íntegro para elas. Dei o start para Mozart, Sinfonia Concertante. Som limpo, perfeito. E chega Mozart, inteiro, mágico, trazendo a vida pulsante, vibrante, na bandeja dos sons... Pára tudo, pára tudo, abre, abre espaços, vai, vai, alarga, alarga, fica aí, criatura, presente, inteira, entregue, profundamente grata, seja toda ouvidos, ouça a música da vida... E assim fiquei, toda ouvidos, presente naquele presente.
"Touching the moment with eternity", diz Sri Aurobindo, é isso, melhor tradução impossível. Virei a fita e veio o belo concerto para oboé, aquele desenho da sonoridade espiritual e intimista do oboé margeando a alma...
Tudo é o mesmo e tudo mudou.
Tive muitas e muitas experiências dessas com música ao longo da minha vida.
Quem ofereceu a linda energia? Ela!
Quem fez o trabalho de acolher e abrir espaços para ela entrar? Eu!
Então, esse trabalho conjunto é que faz a coisa, ela e nós. O poder curativo da música  atua na escuta intensa e concentrada. Esse é um tipo de escuta que, junto com um material sonoro de "primeira", pode deslocar entulhos alojados há séculos e fazer o sol brilhar e atravessar nuvens pra lá de escuras... E não é preciso saber "onde" mexeu, se  nisso ou naquilo, se atingiu o sacro ou a pineal ou o que mais... Isso ainda carrega os elementos do mental. Na verdade a mexida é no cardíaco, porta de entrada para o ser interno, que é onde interessa. Rolf  se refere a isso, quando diz que "ouvir é uma atividade do silêncio, uma vivência da concentração, um abandono-de-si e gesto puro de entrega" e que "essencialmente, ouvir significa abrir-se, receber, e simples e silenciosamente, deixar o recebido entrar em si, lá dentro, despertando ou aquietando, trabalhando, modificando"...
Sou ligada com vários tipos de música, adoro MPB, bossa-nova, dance music (porque adoro dançar...), de Caymmi a Naná, de Uakti a Gil e Caetano, do som do Mawaca a Piazzola e por aí vai... Percebo a conexão entre Se eu quiser falar com Deus e a Sinfonia Concertante, entre o segundo movimento do concerto para piano de Grieg e o Caymmi de "quem vem pra beira do mar, nunca mais quer voltar, ai..." e por aí vai, ai...
E se a gente tirar a música erudita do pedestal, do altar onde ela ficou durante muito tempo e der um carinhoso "alô" ao querido Mozart, ao querido Bach, ao amado Beethoven etc..., a esses puros "canais" da música, a esses mediuns da música,  e deixar a música deles trabalhar lá dentro, daquele jeito que Rolf  fala, lá dentro, e aí vamos entrando logo atrás nos sulcos abertos por ela em direção a nós mesmos... que lindo trabalho de cura, tão disponível a nós! Vamos junto?

Se quiser ouvir o que eu ouvi naquela tarde:

Wolfgang Amadeus Mozart - Sinfonia Concertante em mi bemol maior KV 297 B

Wolfgang Amadeus Mozart - Oboe Concerto em do maior  KV 314

3 comentários:

  1. Ellô querida...
    Fiquei curiosa em ouvu=ir suas indicações musicais, com certeza são ótimas.

    Sabe que também tenho varias fitas e não consigo me desfazer delas? Meu toca fitas tb funciona. No passado uma das coisas que eu mais gostava era gravar fitas, um verdadeiro coquetel de musicas.... saudades.

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  2. Ei Amiga Eloisa, quanto tempo não é? Muito interessante seu blog. Falar de música e auto-conhecimento e colocar a mostra todo nosso percurso de crescimento como indivíduo, nos vendo com todo um histórico peculiar e onde encontramos pontos comuns como seres humanos que somos.O Universo nos dá todas as chances de crescimento e sem sombra de dúvida a arte é tudo aquilo que nos preenche nos vazios criados pelo amadurecimneto do intelecto.
    Sei sim que para nós a nostalgia em muitos momentos nos preenche, porque eu e meus LPs somos inseparáveis, talvez porque nos remetam a tempos marcados por profundas mudanças, você não acha?Bons tempos.....
    Abraço carinhoso
    Ângela

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  3. Oi Mô, oi Ângela
    Por acaso entrei agora aqui e entrando em "postagens"lí o que escreveram!
    Acho que preciso verificar algum dispositivo aqui, para os comentários aparecerem
    Grata por me acompanharem!
    É, nossos LPs, nossas fita-cassetes...sempre presentes, não é?
    Beijões, queridas, saudades...

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